Insônia: contos de horror e suspense
Série de
Gabriel Fonsêca
Escrita por
Gabriel Fonsêca
Primeiro Episódio
O coveiro
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Eu andava pela rua mais escura do meu bairro na única parte do dia de 24 horas em que em nossa mente aflora o medo, de noite. Além de ser uma rua muito escura a rua de número 12 tinha má fama por ser ponto de drogas e por ser ali um local propício a assaltos. Ao chegar próximo a um arbusto ouço um barulho: era meu celular que chamava. Não consigo o tirar do bolso e quando enfim consigo ele vai parar no chão. Ao levar a mão para pegar o aparelho sinto a presença de alguém, porém não tive tempo de olhar para trás e sou atingido caindo desacordado.
Como alguém que ao levar um susto se levanta rapidamente, acordei-me e logo tento mexer os pés, vejo que um deles estava acorrentado olho para os lados, estou em desespero, além da escuridão que me toma algo gelado e úmido escorrega sob minha perna direita, logo coloco a mão e a retiro rapidamente. Eram chumaços, primeiramente achei que fossem linhas e os aproximei do nariz, era algo podre, só poderiam ser pelos de um rato deteriorado. Ainda em desespero, vejo longe de mim uma luz que chamava muito a atenção, o farol só se aproximava. Por um tempo permaneceu desligado.
Após um breve instante, a escuridão que me assustava levemente dava lugar a uma luz estranha, e pela janela de grades observei que a luz de um poste havia se reestabelecida, mas mesmo assim ainda não sabia onde estava. Para aproveitar o clarão de luz tento me levantar e escorrego caindo com a mão esquerda sobre algo que afundou, parecia uma melancia, e após esse ato deduzo eu que estava em um esgoto único lugar onde se seria escuro, fedorento, teria ratos e restos de comida.
Ainda encorajado pela luz que agora parecia lutar para não se apagar tento levantar, tomado por uma dor de cabeça e seguido por uma breve tontura consigo dar dois passos somente com a perna esquerda, pois o pé da perna direita estava acorrentado. Já quase em prantos começo a lembrar de Catarina minha prima de seios fartos e a quem entreguei minha virgindade. Acabo por lembrar também de Sueli, irmã da minha mãe que me criou e educou, como se não bastasse Sueli é mãe de Catarina. Somente pensamentos aleatórios que nos abatem quando nos sentimos no fim da nossa vida.
Se dali sair morto pelo menos descoberto eu teria que realmente amava minha prima. Já que estou pensando na vida porque não lembrar que fui eu quem sumiu com a cadela da vizinha. A culpa não é minha, é daquela cadela, não a animal, mas sim a dona Lorraine. Não quis dormir comigo e tive que apagar meu fogo com a cachorra que desfaleceu.
Tenho que confessar que após esse dia tenho tido pesadelos e talvez sejam todas as pragas rogadas por aquela macumbeira. Falando em macumba remeto-me à semana passada, semana tal que eu pisei no terreiro da mãe Olinda, e tenho que confessar outra vez que tenho visto espíritos diariamente desde os da terceira ordem até os da primeira, se bem que me identifiquei mais com os da terceira.
Mas voltando ao meu final trágico, alguns minutos se passaram e eu não querendo ceder ao sono tento piscar o mais rápido possível, mas o sono é mais forte, principalmente em um coveiro experiente que no dia havia enterrado mais de sete pessoas, todas jovens e vítimas de um massacre, imagine só agora o desespero das famílias que ali davam seu último adeus, e tudo isso ainda martela em minha cabeça.
Já dormindo, a dor que na coluna me desgastava fazia com que eu me mexesse a todo instante, mas com o tempo a imaginação e as vozes que em minha cabeça latejavam faziam-me esquecer das dores e isso só mais profundamente dormir faziam-me. A noite passa, o frio vai embora, e começo a acordar. Abro os olhos que meio embaçados me impediam de enxergar, com minha mão tento procurar algo ao chão, acabo por pegar em uma outra coisa muito gelada que parecia ser uma outra mão. O susto faz com que meus olhos desembaracem, e aos poucos se formam sob meu olhar a cabeça afundada de um cadáver estendido. Olho mais à frente e vejo muitos cabelos, como também mais alguns corpos totalmente deteriorados.
Seria normal ver aquilo por ser eu um coveiro acostumado a fechar caixões que se abrem no enterro ou a desenterrar corpos para exames clínicos, mas lembro-me e associo que na noite passada eu havia afundado a mão em algo que parecia uma melancia e pegado em pelos de rato, que na verdade é a cabeça de uma pessoa e cabelos de um esqueleto. Meu coração acelera, começo a ficar angustiado, olho para o lado e vejo um serrote, mas está fora de meu alcance. Lembro agora da luz que chegou perto a mim e parou deduzo eu que foi uma pessoa quem deixou o serrote ali e que para algo deve servir.
Debruço-me ao chão e mesmo assim não o alcanço. Devo eu arrancar o braço de um cadáver e usá-lo para pegar o serrote? Assim foi feito. Arrancado o braço de um desconhecido e jogado sobre a serra, meu vômito subiu e desceu três ou quatro vezes, tempo o suficiente para trazer o serrote até próximo de mim.
Já com a serra nas mãos não sabia o que fazer e apressadamente fui cortar a corrente, tomei por surpresa que a serra não cortava ferro, parei e pensei novamente, será? será que terei de sacrificar meu pé direito? se bem que tem um dedo a mais e é a parte que eu mais odeio do meu corpo. Mesmo sendo a parte que eu mais odeio do meu corpo não posso errar, e pensando assim já que o cadáver estava morto com a cabeça achatada e sem um braço, porque não cortar a perna dele para testar como devo fazer em mim? Foi o que sem delongas fiz. Foram minutos de muita força e até que eu chegasse à conclusão: vou cortar meu pé.
Puxei meu pé, rasguei um pano e o coloquei em minha boca, o suor gelado escorria em minhas costas, mas mesmo assim eu acreditava que era melhor perder um pé, com motivos, para um serrote do que a vida em uma circunstância tão esdrúxula. Fechei os olhos e pensei em Catarina, em Sueli, na mal agourenta da Lorraine e até mesmo numa quarta pessoa que não vem ao caso. E foi neste pensar, aos gemidos, as passadas de serra e aos respingos de sangue em minha cara que cortei meu pé fora.
O sangue vertia como um rio e se continuasse assim em poucos instantes seria eu mais um no meio de quatro (ou mais) cadáveres. Foi aí então que fiquei quase nu, pois amarrei em meu pé a camiseta, a calça e até alguns trapos dos cadáveres. Pronto, o sangue estava quase estancado, mas não poderia demorar senão morto me encontrariam, se bem que incrédulo eu estava de que poderiam me encontrar, por dois motivos: ninguém sente a falta de minha presença e por ver aqueles corpos podres.
Rapidamente me levanto, vou a arrasto até a janela de grades e me ponho a olhar. Estava eu ao meio de um matagal, perto do trilho d’um trem e com toda certeza muito longe da cidade. E agora a única porta estava trancada e um pouco longe de mim, quem me garante que eu não vá morrer se tentar chegar lá? Ou pior, se eu sair daqui quem garante que eu não vá morrer na floresta? numa fração de tempo o trem dá sinal, ele está passando. É agora, eu vou gritar por socorro. O trem parou.
Do trem desce uma pessoa, não soube eu distinguir quem era, mas acredito que seja um homem. Foi aí que resolvi agir e a gritar por socorro, alto o bastante para aquela pessoa escutar, e até parecia que ela escutava porque um olhar de canto ela me dava. Então percebi que foi aquela pessoa que me prendeu e logicamente todas essas pessoas aqui. Sentei ao chão e esperei olhando para a porta. alguém alí vai ter que adentrar.
Minha fraqueza era tanta que os espíritos dos quais me perseguiam estavam se distanciando, estava eu a ver minha mãe estendendo a mão e dizendo “vamos meu filho”. Foi neste momento em que me dou por perceber de que todos os corpos que ali estavam sem o pé direito haviam morrido, será que antes de irem ao encontro do céu (ou do inferno) pensaram eles o mesmo que eu? Maldita Rua 12. Já me sentindo no céu (ou no inferno) ainda ouvi a porta se abrindo e com os olhos embaçados uma pessoa a adentrar, ei de morrer e não conhecer o mundo da perversidade, do erotismo... Perderei um mundo a descobrir para algum maluco, psicopata sanguinário. Maldita Rua 12.
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