Insônia: contos de horror e suspense
Série de
Gabriel Fonsêca
Escrita por
Gabriel Fonsêca
Terceiro Episódio
O coveiro: segunda parte
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Com muito medo e com os olhos totalmente encobertos tento fugir, mas a fraqueza me toma e eu acabo por cair desacordado. Sem saber como, por que e onde, em poucos instantes acordo eu em um lugar muito estranho totalmente cinza com tons avermelhados. Não avisto sol e nem lua, não era dia e nem muito menos noite, era apenas um crepúsculo cinzento. Aterrorizado naquela rua de pedras negras e de onde a fumaça brotava do chão como fogo que acende no álcool tento eu caminhar, olho para baixo e observo curiosamente que meu pé direito ali estava.
Tudo muito estranho, tudo muito escuro, dou eu dois passos e me deparo com uma pessoa que mais parecia ser um sacerdote vestindo uma túnica preta e um chapéu de abas dobradas, em suas mãos um enorme chicote que rasgava as costas de velhos, crianças, homens e mulheres, todos e todas acorrentados. Ainda sem saber onde estava mais alguns passos dou e olho para uma mulher totalmente nua que mexia em suas partes, fazia sinais obscenos que parecia me seduzir, se bem que era uma mulata de cansar os cotovelos, mesmo não querendo resistir o medo se misturava com o prazer e isso me fez caminhar mais alguns metros.
Em frente a uma casa em chamas onde uma família gemia e chorava pedindo socorro, encontro eu um pequeno amontoamento de pessoas mortas algumas sem a cabeça, outras sem braço e perna, ao redor desse amontoamento uma corrente de sangue quase que negro escorria, o cheiro era insuportável e o calor só aumentava. O medo na mesma proporção também aumentava, e por um descuido caio aos pés de um estranho homem não muito diferente do sacerdote que lá atrás havia eu visto. Meus olhos subiam conforme me levantava. Já de pé o homem apontava para uma casa, era um sinal, mas só me dei por perceber de que lá havia eu de ir quando a porta se abre.
Bem próximo daquela casa que mais parecia uma cabana olho para trás e não vejo mais o sacerdote e do nada caio para dentro da porta que se fecha rapidamente. O odor e a sensação térmica já me eram conhecidas, do chão me levanto e ao canto me ponho, vejo vários corpos caídos ao chão, olho para os cantos e chego à conclusão que voltei a aquele local fechado onde antes eu estava. O desespero me leva a loucura e ao ver uma réplica idêntica a mim a loucura aumenta. Será que morri? Será que estou no inferno?
Aos poucos o assombramento e a experiência de quase morte, me fazem acordar. Dou- me então por consciente e estava eu deitado ao chão da mesma cabana que antes fui colocado. Um breve formigamento subia em minha perna direita e me pus então a olhar notando que o local de onde meu pé havia sido arrancado algo muito quente havia sido colocado, tão quente que a fratura estava cicatrizando. Agora muitas questões corroem minha cabeça: porque alguém me faria cortar o pé e logo após me ajudaria? Quem é essa pessoa?
Claramente melhor do que antes começo a me adaptar ao ambiente imundo que me encontrava. A adaptação sob minha concepção é a forma que todos em algum dia encontram ou encontrarão para se adaptar a algo novo, seja ele algo bom ou ruim. A fome era tanta que meu estomago rosnava, minhas mãos e pernas estavam trêmulas, mas em algo tiro forças para se rastejar até a porta, e claro que não seria imbecil ao ponto de arriscar o resto de minhas forças por nada, faço isso por ver (mesmo acreditando que possa ser uma miragem) uma chave dependurada na porta.
Como já se é de conhecimento geral, está eu somente com roupas íntimas, por que lembro isso? Para dizer que quase perdi minha pele se rastejando pelo chão daquela cabana. Após fraquejar, me ralar, até derramar algumas gotas de lágrima, chego enfim à porta descobrindo que eu não estava ficando louco e que a chave realmente estava dependurada nela. Sem pensar muito tasquei a mão na chave e com muita empolgação algo inacreditável acontece, com apenas dois giros com a chave a porta se abre. Será verdade? Será que isso não é uma armadilha? Prefiro tentar, prefiro me arrepender de algo que tenha feito e que dê resultado ruim do que não ter feito coisa alguma.
Partindo dessa concepção foi que dei início a minha partida para aquela floresta fechada, levantei-me de pé e mesmo com muita pouca força consigo rastejar. Passa-se quase vinte minutos, tempo o bastante para estar longe da cabana, tempo o bastante para pensar em tudo, em desistir, em se matar, em parar e esperar com que o tempo degrade meu corpo e até mesmo naquela quarta pessoa, talvez tudo o que eu esteja passando seja um castigo, o castigo por ter matado a facadas Caio. Um garoto de mais ou menos vinte e seis anos, em seu auge da juventude que vivia de estuprar prostitutas, pensou que faria o mesmo com Catarina, mas se enganou.
Tudo aconteceu em uma noite muito fria de inverno, Catarina saía na calada da noite todas as sextas-feiras, em uma dessas resolvi segui-la e descobri que a mesma fazia programas. A princípio deixei para resolver em casa, mas depois que vi Caio se aproximando e bulindo com ela o sangue me ferveu, lembrei da vez em que o rapaz havia sido preso por estupro, peguei meu punhal e segui silenciosamente os dois. Ao quarto, escutei tudo, Catarina pedia por socorro e Caio a mandava calar a boca, foi aí que resolvi agir e parti para cima do rapaz, levou doze facadas já estava pior que uma peneira. Quanto a Catarina, enquanto eu esfaqueava o rapaz a rapariga deu um jeito de fugir. Quando fui tirar satisfações com ela estávamos os dois encurralados, se eu falasse que ela era uma garota de programa ela me entregava para a polícia.
Lembrando-se desse ocorrido esqueci de que estava com muita fome e como estava na mata deveria caçar para sobreviver. Foi o que fiz. O primeiro animal que passasse em minha frente eu iria matar. Observo os lados, olho nas árvores e fico em silêncio, escuto então o cantar de uma bela pomba que por incrível que pareça estava baixo o suficiente para eu come-la, peguei- a e com toda fome que estava mal tirei suas penas parecia uma criança que ao comer feijão se lambuzava, só que em minha boca escorria sangue. Após finalizar a refeição sinto um pouco de forças e sigo mata adentro, com toda certeza estava eu longe o suficiente do cativeiro e um sentimento estranho me toma, fico eu parado escutando o assombroso silêncio daquela mata úmida e ponho então minha cabeça para cima onde uma gota de sangue cai sobre meus olhos. Mal enxergo e mesmo assim observo uma pessoa enforcada e o susto se torna maior quando descubro que era Catarina, não sei como e nem porque, mas ela estava alí.
Subo na arvore, mordo a corda e o corpo cai ao chão, passo a mão em sua pele branca pálida, uma lágrima cai encosto meus lábios aos seus e escuto então uma voz conhecida, sendo atingido novamente. Com muita dor vou acordando aos poucos e vejo em minha frente um homem de roupas parecidas com as do que o homem do trem usava, o ruivo resolve abrir a boca e ao se virar, uma descoberta:
- Pensou que havia me matado, Jonas – Diz Caio.
Era Caio, o homem que dei doze facadas. Havia sobrevivido:
- Como? Eu o peneirei a facadas! – Penso eu o olhando.
- Parece que recebi uma segunda chance, fui ao inferno e voltei. – Diz Caio friamente. – Quero, estou e ainda vou me vingar, por isso fiz tudo isso, vingança é um prato que se come azedo.
- Você é um psicopata, serial killer, matou dezenas de pessoas!
- Lógico, preparei o meu terreiro, sou um pactário. Ganhei fama e respeito por meio do medo dos outros, tudo por conta de minha vingança. – Diz Caio.
Caio me explicou todo seu horripilante plano, matou pessoas, construiu uma cabana no meio do mato perto do trilho de trem, fez com que todas as suas vítimas cortassem seus pés direito, tudo com um único objetivo: me matar.
- Porque Catarina? – Pergunto eu.
- Jonas... Seu pensamento é lerdo. Catarina serve para lhe ver sofrer mais ainda, pensa que eu não descobri que a ama? – Diz Caio com um tom sarcástico.
Ouvindo suas palavras até me impressiono, tudo tramado nos mínimos detalhes desde a chave até o serrote. Até que ponto é capaz de alguém chegar por vingança?
- Chega de conversa, vamos acabar com seu sofrimento. – Diz Caio puxando um punhal.
Ao ver tal ato penso que chegou meu fim, Caio se aproxima pega em meu pescoço, coloca seu punhal em meu rosto quando pensa em crava-lo junto uma pedra e arremesso em seu joelho, consigo fazer com que ele se distraia tempo o suficiente para pegar o punhal que de sua mão caiu.
- Vou terminar o que comecei, Caio. – Digo eu com o punhal na mão.
- Você é um verme, Jonas!
Duelamos e mesmo eu estando apoiado apenas com a perna esquerda, domino a jogada e por um descuido o punhal cai, e com o mesmo sou atingido. Levo uma facada no peito.
- Morre... Morre desgraçado! – Diz Caio.
Quando o rapaz se virou de costas já acreditando em minha morte, consigo derrubá-lo e ao chão acertá-lo com um pedaço de graveto e assim o matando. Agora vejo espíritos negros que carregam a alma de Caio e que em instantes carregarão a minha.
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