Insônia: contos de horror e suspense
Série de
Gabriel Fonsêca
Escrita por
Gabriel Fonsêca
Quarto Episódio
Eles estão aqui
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“[...] eles estão aqui, eles estão ali, eles estão em qualquer lugar. Podem eles serem bons ou ruins, mas existem e quem se diz incrédulo da existência dos mesmos são os que mais temem a sua existência [...]”. (Diário de Antônio Auholand)
Este trecho é um dos muitos existentes no diário (encontrei o diário a uma caixa que ao sótão encontrava-se) de Auholand, falecido dono da mansão que acabo de arrematar em um leilão. Ela se localiza ao vão da natureza rodeada por segredos, por esses fatos chamarem a atenção de um jovem escritor de não muitos méritos resolve-se compra-la. Minha ligação com o submundo sempre foi calma, as atividades paranormais que me tomavam eram corriqueiras e não me abalavam muito. Tudo isso muda a partir do leilão.
A mansão é esbelta, grandiosa, feita com madeiras finíssimas do século XVIII contém quatro quartos e um enorme assombroso porão, e na questão custo todo o dinheiro bem investido foi. Ao anunciar minha mudança para a mansão, muitos os avisos foram a mim dados, dizem que essa mansão ainda no século XVII serviu como uma espécie de local onde se realizavam rituais satânicos com cadáveres como também no quintal da mansão eram enterrados os corpos. Imagine só, acabo por arrematar uma bela mansão assombrada.
A noite bate à porta, uma neblina vai se formando, é a minha primeira noite na mansão assombrada estou no local que parece ser o mais calmo da casa a cozinha, preparo minha ceia sob a luz de um candeeiro, já que ali a luz ainda não havia chegado. Sentado à mesa em uma sala muito espaçosa sinto o peso da solidão tanto que aos espaços vazios da mesa encontram-se pratos e talheres. Para tentar se familiarizar com os espíritos da mansão sento-me a varanda e ainda com o candeeiro leio o diário de Auholand, o silencio toma conta do local e quando parecia que os espíritos alí não habitavam um grande barulho assuava do porão da mansão, brutalmente me levanto enrosco-me ao candeeiro e dou com os burros no chão, a única luz acabava por apagar.
O barulho se torna ainda mais intenso, mas parece que o candeeiro não quer de meu pé sair e quando enfim me vejo livre o barulho para então. Foi um dia muito corrido e intenso, em meu relógio marcavam onze horas e decido me retirar para dormir. Como já se era de esperar, caio no sono em instantes, as horas passam e o momento mais gelado e obscuro da noite (três horas da madrugada) acaba por chegar, meu sono mais intenso fica, pareço sair de meu corpo e flutuar. Um sono profundo me assombra, estou de pé caminhando pela mansão e vejo um quarto com a porta aberta quando o adentro acabo por cair em um lugar muito estranho, era um crepúsculo cinzento, não havia sol e nem muito menos lua, dou alguns passos e vejo algumas pessoas mortas, crianças, jovens e idosos, como também um sacerdote vestindo uma túnica preta e um chapéu de abas dobradas, o pânico me toma pois possivelmente estou no inferno. Vejo uma casa saindo fumaça e o cheiro que de lá vinha era muito forte, mais para frente um homem está pagando por algum pecado dentro de uma espécie de cabana, parecia ele exclamar por algo que tenha acontecido e ao seu redor alguns cadáveres sem o pé direito se encontravam.
Sem distrações desnecessárias, sigo em frente onde observo um homem de barba longa que exclamava por justiça, sua voz muito alta fez com que eu me acordasse, estava todo suado e muito aterrorizado.
“[...] Quando viajardes para um mundo paralelo semelhante ao inferno, sabeis que estás pronto para uma conversar com ela. [...] Ela que é pálida, mas não és morta, usa capa vermelha mas não és nenhuma pomba gira. [...]”. (Diário de Antônio Auholand)
Na manhã do dia seguinte trato de caminhar pela mata misteriosa que circulava a mansão, meu objetivo é fotografar a área tendo fotos para meu próximo livro, distraído com o voar baixo de um urubu acabo por afundar meu pé em um buraco, nada muito fundo, mas serviu para que muitos insetos saíssem de dentro dele. Fiquei assustado, nunca havia visto aquilo antes resolvendo então tirar algumas fotos, olhando através de minha câmera observo algo extremamente horrendo algo em estado de decomposição, me ponho a escavar e desenterro um corpo.
Após certo tempo a olhar aquilo me lembro de um trecho do diário de Auholand “[...] Ao que convém quem tirar de sob a terra o casulo, abrirá as portas do umbral [...]”. Se bem que entendido eu bem não teria, tenho certeza de que esse trecho condiz com o momento, como também tenho certeza de que o corpo passado por algum ritual teria. Enterrei-o novamente e ao mesmo lugar. A voltar para mansão me deparo com um gato e o pego aos braços, o felino furioso estava tanto que me aranhado havia, desse fato uma coisa eu tiro, devo ter vizinho ou vizinhos pois gato selvagem ele não era.
Ao me aproximar da varanda do casarão me ponho a observar que a porta da mansão estava aberta e que ao chão pegadas de lama se encontrava, adentro a porta e vejo tudo desorganizado, será que havia eu sido assaltado no meio do nada? Aproveitando que iria chamar alguns técnicos para instalar luz na mansão chamarei a polícia. Após ter ligado avisto eu o carro da polícia que ao parar descem dois policiais, estavam com crucifixos desde o pescoço até as mãos, parecia que iriam atender a uma ocorrência com o demônio.
- Já vou logo avisando que não somos nenhum espírita ou exorcista. – Diz um dos policiais a beijar um de seus crucifixos.
- Mas a ocorrência é outra, entrem, por favor!
Ao manda-los entrar, ambos fazem o sinal da cruz. Dentro do casarão começa a investigação sendo seguida pela conclusão.
- Pelo que notamos nada de valor foi saqueado somente comida, deve ter sido algum vagabundo esfomeado. - Diz um dos policiais.
- O que eu faço? Sento e espero que ele volte e roube coisas mais valiosas? – Pergunto eu ao não ver explicação na resposta do policial.
- Quer um conselho? Suma daqui. Junte seus trapos e vá morar em outro lugar!
- E porque eu faria isso? – Digo eu a espera de um breve relato para meu livro.
- Essa residência foi construída pelo demônio. Precisa saber mais? Avisado está, espero que não se encontre com a bruxa e nem que chame a polícia pois só iremos voltar quando for dado como desaparecido. - Diz um dos policiais exaltadamente.
Pensando no que o policial havia me dito lembrei-me de mais um trecho do misterioso diário de Antônio Auholand.
“[...] Passarão anos, décadas e séculos, mas os pilares por ele erguidos nunca cairão [...].” (Diário de Antônio Auholand).
Realmente a citação alude à imagem de um onipotente ser, só não se sabe de quem estas a falar, talvez as próximas páginas me levem a uma resposta imediata. Certo tempo de reflexão se passa, estou eu a instalar energia na velha mansão, de repente uma breve escuridão me toma caio de um poste de aproximadamente três metros, um sono profundo. Com uma breve dor de cabeça me acordo e me ponho a observar aquela velha mulher de cabelos brancos, cor pálida e que usava uma grande capa vermelha, sento-me na cama e pergunto:
- Quem é você?
- Não é momento de questionamentos, mas sim de explicações claras, quem é você? Por que estás aqui? E como tens o diário rubricado por ele? – Pergunta aquele estranho ser.
- Me chamo Samuel, sou um escritor de histórias paranormais e reais, comprei a mansão de... – Sou interrompido pela velha.
- Não ouse mencionar seu nome, os espíritos bons que aqui habitam os odeiam, nunca deixe um espírito zangado. – Diz a velha de cabelos brancos e olhos saltitantes.
Tento explicar-me melhor e acabo por observar concluindo que a ladra esfomeada era ela, também observo nas paredes da residência marcas de sangue que formavam símbolos, vejo pés de coelho, cabeças de cabras, e muitos gatos uma coisa mais horripilante que a outra. A velha me faz sentar à mesa e tomar uma sopa para me recuperar da queda.
- Quem é você e há quanto tempo mora aqui? - Pergunto eu.
- Me chamava Ágata no passado, hoje me chamo Arlete. Moro aqui a mais de séculos.
Quando a mulher diz que ali mora há séculos me passam mil coisas pela cabeça.
- Porque não permite a exclamação do nome dele? Pelo que li em seu diário vocês tiveram uma grande amizade. – Pergunto me referindo a Auholand.
- Realmente éramos grandes amigos, mas suas escolhas fizeram surgir empecilhos que corromperam nosso vinculo espiritual e carnal.
- A senhora fala tanto em espíritos, qual a sua concepção perante a isso? - Pergunto eu intrigantemente.
- Pobre homem, irei sanar vossas dúvidas.
A velha senhora levanta-se e começa a contar enquanto se senta a uma cadeira perto da janela a alisar um belo gato.
- Isso sempre existiu e mesmo existindo pessoas que se negam a acreditar, as mesmas sem querer acabam por acreditar. Refiro-me a proibição de Moisés a consulta aos defuntos, me refiro a proibição de Saul em conversar com a bruxa de Endor e entre outros textos. Refiro-me aos eventos sem explicação que muitos ainda insistem em escondê-los sobre tapetes de algodão.
- Me fale alguma coisa sobre ele, sobre o casarão! – Pergunto me referindo a Auholand e ao casarão.
- Vá com calma meu jovem. Se for o que desejas, quem sou eu para proibir? Então, como daimon (o gênio) anunciado por Platão a Sócrates, ele foi anunciado ao temido, ele queria conhecer o submundo por isso realizou sete exorcismos no casarão, os corpos exorcizados e mortos eram utilizados para práticas satânicas e depois enterrados aos redores do casarão.
- Por quê? Com qual objetivo? – Insisto.
- Você descobrirá.
A velha atingiu o clímax da história e resolveu parar dizendo que eu haveria de descobrir por conta própria. Mesmo com um diálogo extenso a sábia velha não respondeu a grande dúvida, restava a eu descobrir por conta própria. A velha diz que já era hora de eu ir para a mansão, o sol estava quase se pondo, não entendi seu grande medo. Na mansão preparo meu jantar pensando em Arlete e em toda a loucura dos últimos tempos, lembro-me de que quando cheguei aqui não havia visto nenhuma casa à beira da estrada.
Após um jantar à luz de velas pois ainda aguardava a instalação do poste para conectar os cabos para ter energia elétrica, e uma longa leitura no diário de Auholand, caio na cama como uma pedra. Certo tempo passa e minha boca seca, terei que tomar água. Desço até a cozinha e sempre com a impressão que alguém está a me vigiar, pego meu copo d’água e quando olho ao meu relógio de pulso o copo cai de minhas mãos, minha boca seca de vez, o ponteiro do relógio estava parado as três da madrugada, lembro-me do sonho da noite passada como também que não tinha luz no casarão. Do nada uma ventania abre todas as janelas da mansão, corro para fechá-las, fecho uma, duas, três... Quando estou na última um grande barulho no sótão provoca arrepios por toda parte de meu corpo.
Fecho então a última janela, mas o barulho continua, pareciam cavalos que sobre o sótão estavam a correr. Criei coragem ascendi o candeeiro e subi, a primeira coisa que vejo é a caixa do diário, mas ela estava virada com muitas marcas, olho mais para frente e um vulto apaga minha luz, fico apreensivo me levanto e o vulto continua a passar, por um instante ele para e em minha frente surge apontando o dedo para trás de mim. Aos poucos vou girando minha cabeça, quando por completo virado para trás estou, me deparo com um homem de boca enorme, olhos saltitantes, de sua pela escorria sangue, seus braços estavam tortos e ele só se aproximava de mim, dei dois passos para trás e graças as madeiras finíssimas do século XVIII que quebraram, consigo escapar.
No outro dia de manhã bato a porta de Arlete.
- O que houve? – Pergunta Arlete.
- Eu vi... Eu vi com esses dois olhos que a terra há de comer. – Digo apreensivamente.
- Viu o que?
- O demônio, a coisa... Ele é horrível, estou com muito medo. – Digo eu amedrontado.
- Impossível, a não ser que... – Diz Arlete misteriosamente.
- A não ser que o que?
- Que um dos casulos usados nas experiências de exorcismos tenha sido desenterrado. – Diz Arlete.
- Casulo? São aquelas pessoas enterradas ao redor da mansão? Se forem, eu desinteirei um corpo, mas logo o enterrei novamente.
- Não, você não pôde ter feito isso, quando um é tirado da terra todos os outros acordam. – Diz à velha que meus braços segurava.
- O que eu faço? – Pergunto.
A velha olha em meus olhos e diz seriamente:
- Fuja... Vá embora... Suma daquele casarão, se ficar vai ter que brigar.
Após ouvir essas palavras, penso em desistir de tudo, mas logo depois de pensar concluo, vou ficar custe o que custar. Arlete então diz que vai me ajudar, pois segundo ela, os espíritos, demônios e até mesmo ele (Auholand), teriam que em um dia se enfrentar, agora ela vai morar no casarão comigo.
“[...] Não adianta fugir, se esconder ou não querer acreditar, pois um dia a guerra vai chegar [...].” (Diário de Antônio Auholand).
Passamos o dia a conversar, mas com espíritos levianos, um dia de preparação para o grande momento. A noite chega, Arlete prefere dormir na sala, eu fecho todas as janelas pois um grande vendaval estava a chegar. A escutar raios pegamos no sono, algo profundo. A madrugada chega, na cama estou a me virar quando o clarão de relâmpago mostra a imagem horripilante do mesmo que na noite passada havia me visitado. Levanto-me muito rápido da cama e corro até a sala onde vejo sete pessoas vestidas de preto que pareciam velar Arlete, com um grito a acordo e espanto todos.
- Chegou a hora, vamos enfrentá-los. – Diz Arlete.
A ventania era tanta que a porta do casarão se abre, quando vou a fechá-la vejo uma gataria, eram muitos gatos que saiam da floresta, Arlete disse que isso era um sinal, reforçando a ideia da guerra com o submundo. Um raio silencia o momento, Arlete desaparece e com outro raio ela reaparece, mas caída ao chão, estava desacordada e não tinha batimentos. Entro em desespero, um espírito me arremessa na parede, ainda debilitado olho no relógio e são três da madrugada, tudo começa a esfriar e o demônio aparece, vem em minha direção, as cadeiras, mesa, pregos e madeiras, tudo começa a se mover, ele pega em meu pescoço, me sinto sufocado, em outra língua ele fala e eu sem saber como entendo, quer ele o diário, vejo que só dessa maneira nos deixará em paz. Entrego-lhe o caderno, tudo começa a melhorar, o demônio some e Arlete começa a acordar.
- Estamos livres. – Digo a ela.
- Você entregou o diário?
- Não, eu entreguei meu caderno com anotações de meu livro, não preciso mais dele, tudo que preciso está aqui. – Digo eu apontando para o diário.
A normalidade transparece, no outro dia resolvi voltar para cidade, deixo o casarão para Arlete, mas antes tiro algumas fotos. No caminho de ida paro para observar as fotos, noto coisas estranhas, algumas sombras, pessoas e até pássaros caindo com o pescoço torcido. Não pensei nas consequências ao enganar os espíritos e agora sei que eles continuam lá.
“[...] A guerra começa, mas nunca termina e ninguém os pode fazer de trouxa, só percebi quando enfim cai na real, o problema não são eles, mas sim nós.” (Ultima anotação de Auholand).
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